O Valor da Memória em Cabo Frio
Com um acervo de mais de seis mil edições impressas, a Folha inicia a republicação de textos marcantes que retratam a história de Cabo Frio. Neste primeiro texto, originalmente publicado no suplemento cultural Caderno em 11 de novembro de 1995, o artista Carlos Scliar defende com veemência a importância da cultura e da memória da cidade.
Em sua narrativa, Scliar recorda suas primeiras experiências em Cabo Frio, que marcaram sua trajetória profissional e pessoal. ‘Cabo Frio faz parte das minhas memórias desde os primeiros dias que passei no Brasil’, comenta. O artista, que mantém uma residência na cidade da região dos lagos, reflete sobre suas vivências tanto nos momentos de glória quanto nos períodos de decadência da localidade.
Scliar relembra que foi o jornalista Mário Faustino quem o apresentou a Cabo Frio, ressaltando a amizade entre ambos. ‘A cidade é um lugar de muitas amizades, mas que também traz desilusões devido às suas transformações constantes’, observa. Ele enfatiza a nostalgia que permeava a presença de artistas por ali, além de sua conexão com a história colonial da cidade, simbolizada na casa de seu amigo Aloísio de Paula.
Hoje, Scliar lamenta que a casa histórica, localizada na rua 44, está ameaçada de transformação, uma realidade que representa a perda da identidade de Cabo Frio. ‘Minha ligação com a cidade é de um artista que busca na memória e na paisagem a essência da vida’, afirma.
A Transformação Turística e Seus Impactos
Segundo Scliar, Cabo Frio possui uma rica história que remonta ao século XVII, marcada por influências indígenas e africanas. No entanto, ele observa que a cidade tem perdido muito de seu passado. ‘Atualmente, dedico cerca de 70% do meu tempo ao trabalho aqui, pois é próximo do Rio de Janeiro, onde resolvo diversos assuntos profissionais’, conta.
Contudo, o artista destaca a transformação resultante do turismo, que dificultou a realização de um trabalho aprofundado sobre a cidade, evidenciando a ‘morte da história’. ‘Defendo a memória e acredito que as cidades são definidas por sua história e patrimônio, sendo as pessoas o maior tesouro’, enfatiza.
Recentemente, Scliar teve a oportunidade de explorar mais a fundo a arte e a pintura popular brasileira, enquanto desenvolvia um fundo cultural artístico com o objetivo de resgatar a história de cidades como Cabo Frio. Um de seus projetos, intitulado “Brasil de Pargo Amarelo”, busca criar um museu itinerante que conscientize as pessoas sobre a importância do resgate do patrimônio popular, um tema muitas vezes negligenciado. ‘Esse projeto conta com apoio de diversos órgãos internacionais, podendo auxiliar na valorização cultural do nosso tempo’, explica.
O Desafio da Preservação Cultural
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Na visão de Scliar, Cabo Frio enfrenta desafios significativos em relação à urbanização desordenada e a falta de compromisso com a memória local. Ele expressa tristeza ao observar que a cidade, que sempre foi um refúgio para ele, agora se transforma em um local de desordem, onde a história parece estar se perdendo. ‘As pessoas perderam o vínculo com Cabo Frio, e isso me preocupa’, desabafa.
A reflexão do artista é profunda: ‘É preciso que Cabo Frio crie políticas de defesa do patrimônio cultural e ambiental. Está se consumindo por ações de seus próprios filhos’, avisa. Ele menciona que está em posse de novos mapas e livros, com ideias que deseja disseminar, reafirmando seu amor por Cabo Frio e sua esperança de que ainda há espaço para fazer a diferença.
Para Scliar, a cidade deve deixar de ser apenas um destino turístico e se tornar um verdadeiro lugar de memória. ‘Estamos vivos e precisamos de espaço. Defendemos a criação de um novo mundo e não sua destruição’, conclui. Apesar das dificuldades, ele acredita que ainda há tempo para cultivar a história e a cultura local, deixando uma mensagem de esperança sobre o futuro de Cabo Frio.