A Militarização das Favelas Cariocas
Em uma tarde ensolarada de domingo, no dia 28 de novembro de 2010, as bandeiras do Brasil e da Polícia Civil flutuavam no topo do Complexo do Alemão, hasteadas por policiais durante uma operação monumental. Este evento ocorreu dois dias após uma ação, amplamente divulgada pela mídia, que mobilizou mais de 2.600 agentes de segurança, com a cobertura ao vivo de helicópteros de emissoras de TV.
Embora não tenha sido a primeira grande operação policial nas favelas do Rio de Janeiro, a ocupação do Alemão se destacou pela intensa cobertura midiática e pela estrutura de propaganda política que a cercava. A tomada do Alemão era, portanto, um marco, não apenas local, mas nacional.
“Nós vencemos. Trouxemos a liberdade para os moradores do Alemão”, afirmava na época o comandante-geral da PMERJ, Mário Sérgio Duarte. Contudo, quase 15 anos depois, o Complexo da Penha acordava sob uma nova onda de violência, retratada nos jornais como se fosse uma cena de guerra na Faixa de Gaza. A Operação Contenção, realizada recentemente, resultou na maior chacina da história do Brasil, com mais de 100 mortes entre os complexos da Penha e do Alemão.
O governador Cláudio Castro (PL) declarou que “tirando a vida dos policiais, a operação foi um sucesso”, enquanto os moradores lidavam com a dor e o luto. O impacto da operação ainda se fazia sentir, com pesquisas indicando que a população mantinha uma alta taxa de apoio às ações de segurança.
O Paradoxo da Segurança no Rio
Os 15 anos que separaram as duas operações no Rio foram marcados por um ciclo contínuo de violência, incluindo tiroteios, assassinatos e desaparecimentos forçados, constituindo um cenário de insegurança persistente. Apesar dos discursos oficiais, que tratam as ocupações policiais como soluções milagrosas, a realidade nas favelas diz respeito a uma ausência de melhorias significativas no combate ao crime organizado.
O discurso predominante nas redes sociais e na imprensa destaca que o Rio de Janeiro não pode apresentar soluções efetivas, criando assim um paradoxo curioso. Em termos técnicos, a violência no estado é frequentemente referenciada como exemplo para discutir políticas de segurança em outras partes do Brasil.
Não se trata de minimizar a gravidade da situação, mas é essencial entender como esses debates políticos são moldados. O Rio não abriga a maior facção criminosa do país, nem apresenta os piores índices de criminalidade, mas há uma escolha política que prioriza discussões baseadas em seu cenário como referência.
Operações de Combate: O Impacto e a Narrativa
Os dois meses que distanciam as operações Carbono Oculto e Contenção são particularmente reveladores. A primeira foi uma ação de colaboração interinstitucional que alcançou o coração financeiro do PCC sem a necessidade de disparar um tiro. Em contraste, a chacina da segunda serviu como catalisador para desfiguradas leis de combate ao crime e debate sobre a segurança pública.
A nova terminologia utilizada para descrever as ações policiais, como “seteiras”, “barricadas” e “narcoterrismo”, tem influenciado as discussões políticas em diversas esferas, tanto no Rio quanto em Brasília. Em São Paulo, por exemplo, o governo promoveu a Operação Escudo como um marco na retoma de territórios, enquanto iniciativas de demolição e criminalização em áreas como a Favela do Moinho trouxeram à tona debates sobre a marginalização de movimentos sociais.
Consequências da Militarização
A abordagem militarizada da segurança pública tem consequências claras. Primeiramente, leva à criminalização de toda uma população, independentemente de sua relação com o crime. Em segundo lugar, proporciona um aumento desmedido do poder das forças policiais em áreas consideradas inimigas. Isso resulta em uma clara divisão territorial, onde um espaço é mantido sob vigilância intensa em troca da manutenção de direitos de cidadania, enquanto outro, marginalizado, sofre violações sistemáticas.
A ideia de um estado de exceção, conforme abordada pelo teórico Achille Mbembe, se materializa nas favelas. Mbembe destaca que a ocupação colonial gera um controle absoluto sobre os habitantes do território, com a violência como norma. Essa realidade se traduz em um cotidiano militarizado, onde a vida é regida por decisões arbitrárias sobre quem vive e quem morre.
As imagens de helicópteros sobrevoando as favelas na busca por alvos se assemelham a cenários descritos por Mbembe em contextos de guerra e opressão. As críticas à militarização da segurança pública, portanto, se tornam urgentes, especialmente quando se observa a repetição de práticas que não apenas falham em abordar as raízes do problema, mas que também perpetuam um ciclo de violência e desigualdade.
Enquanto o debate sobre políticas públicas se arrasta, a população das favelas continua a padecer, aguardando por respostas que vão além das soluções militarizadas e que entendam a complexidade dos problemas sociais e econômicos enfrentados.

