Despejo Controverso de Projeto Social em Cabo Frio
Na manhã desta quinta-feira (24), a Prefeitura de Cabo Frio mobilizou mais de 50 agentes de segurança, incluindo cerca de 10 viaturas da Polícia Militar, equipes da ROMU (Ronda Municipal) e da Guarda Civil Municipal, para dar início à reintegração de posse da Casa de Referência Inês Etienne Romeu. O imóvel, que serve como um importante projeto social desenvolvido pelo Movimento Olga Benário, acolhe mulheres vítimas de violência desde novembro de 2023. Durante a operação, que gerou comoção, uma das ocupantes teve um mal-estar e precisou ser socorrida por uma ambulância.
A ocupação do espaço por um grupo de mulheres começou às 8h30 em protesto contra a medida de reintegração de posse, determinada pela Justiça e anunciada pelo governo municipal. Aproximadamente às 11h40, os agentes conseguiram acessar o imóvel e removeram todas as ocupantes presentes. Durante a ação, foram relatadas práticas de truculência policial, com denúncias de agressões às manifestantes. Chantal Campelo, uma das líderes do movimento, afirmou que todas as agressões foram registradas em vídeo e que serão apresentadas à Comissão de Direitos Humanos.
O advogado do movimento, Gabriel Dias, descreveu a operação como “uma verdadeira ação de guerra”. Ele destacou que os policiais estavam equipados com cacetetes, capacetes e escudos, comparando a situação a eventos da ditadura militar no Brasil. “Eu, como advogado do grupo, fui impedido de entrar no imóvel durante a ação”, relatou, enfatizando que cerca de 30 mulheres estavam sendo atendidas pelo projeto no local.
Pontos de Vista e Justificativas da Prefeitura
Em resposta ao protesto, o prefeito de Cabo Frio, Serginho, postou um vídeo nas redes sociais na tarde de quarta-feira (23), esclarecendo a situação. Ele garantiu que a casa ocupada pelo projeto social foi declarada de utilidade pública e teve sua desapropriação ajuizada durante a gestão anterior, sob a administração do ex-prefeito José Bonifácio. O objetivo original, segundo o prefeito, era aumentar o parque da cidade e preservar a área para uso coletivo. “Patrimônio público não pode ser objeto de invasão”, ressaltou.
O prefeito afirmou que quase R$ 1 milhão foram gastos na desapropriação do imóvel, que fica próximo à Fonte do Itajuru. Ele alegou que um pequeno grupo havia invadido o espaço e que a Prefeitura buscou a reintegração de posse desde administrações passadas. “Esse patrimônio foi adquirido com o dinheiro do contribuinte e deve ser utilizado para beneficiar toda a população de Cabo Frio, incluindo turistas que visitam a cidade”, completou.
No entanto, Pétala Cormann, coordenadora estadual do Movimento de Mulheres Olga Benário e do projeto da Casa Inês Etienne Romeu, rebateu as afirmações de Serginho. Ela afirmou que o imóvel estava abandonado há mais de 10 anos e que a ocupação se deu para dar uma função social ao espaço. “Revitalizamos a casa com trabalho voluntário. O governo deveria usar os impostos no combate à violência contra a mulher”, defendeu Pétala, contestando ainda a alegação de que o espaço seria integrado ao parque, mencionando a presença de uma vila vizinha.
A História da Ocupação e Seus Impactos Sociais
A ocupação da casa remonta à gestão da ex-prefeita Magdala Furtado, que, percebendo o estado de abandono do imóvel, formou uma força-tarefa para reverter a situação. Desde sua reabertura, a Casa Inês Etienne Romeu oferece gratuitamente serviços como orientação jurídica e psicológica, oficinas de autonomia financeira, uma cozinha comunitária e uma horta coletiva, com o intuito de acolher mulheres em situação de vulnerabilidade.
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Desde janeiro, a possibilidade de despejo pairava sobre o local, quando o atual prefeito notificou o movimento para desocupar o espaço até 4 de fevereiro, o que não foi cumprido. Em nota, a Prefeitura argumentou que a desapropriação era urgente para garantir a conservação da área. A justificativa, porém, foi contestada pelas integrantes do movimento, que passaram a realizar manifestações e vigílias em defesa do espaço.
Chantal Campelo destacou que Cabo Frio é uma das cidades com o maior índice de violência contra a mulher na Região dos Lagos. Nos últimos meses, casos graves, como o assassinato de Karolina Sales, de 23 anos, evidenciam a necessidade urgente de políticas efetivas de acolhimento e proteção às mulheres. O crime, que ocorreu na frente do filho da vítima, um bebê de apenas oito meses, exemplifica a realidade que os projetos sociais, como a Casa Inês Etienne Romeu, buscam combater.