Placas de Memória e Educação Sobre a Repressão
No coração do Rio de Janeiro, um prédio chamativo de três andares guarda histórias sombrias do passado da cidade. Localizado na Rua da Relação, o número 40 foi, por muitos anos, a sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão responsável pela perseguição e repressão a opositores durante a ditadura militar que se instaurou em 1964. Hoje, em meio ao silêncio que reina no local, fica a pergunta: quantos ainda conhecem o peso da história que ali se desenrolou? Para acabar com a invisibilidade das memórias por trás de construções como essa, a Câmara Municipal do Rio acaba de aprovar uma lei que prevê a instalação de placas informativas em locais de repressão política, criando um espaço de memória e educação sobre os horrores vividos na época.
A nova legislação estabelece a criação do Programa Memória, Verdade e Justiça Carioca, que tem como objetivo identificar publicamente os lugares de repressão política no município durante a ditadura cívico-militar, que perdurou de 1964 a 1985. A prefeitura será a responsável pela implementação do programa, e a seleção dos locais que receberão as placas será baseada no relatório da Comissão Nacional da Verdade, além de considerar indicações de movimentos sociais e organizações que lutam pelos direitos humanos.
A Importância das Placas na Luta pela Memória
A vereadora Maíra do MST (PT), autora da lei, enfatiza a relevância da medida em um cenário onde ainda existem ataques à democracia e discursos que idealizam o período ditatorial. Segundo ela, “a falta de memória sobre esse período se relaciona diretamente com discursos antidemocráticos que perduram no atual debate político.” Para Maíra, as placas não apenas visam rememorar, mas também desempenham um papel educacional essencial. “A cidade deve ser um espaço de aprendizado”, complementa.
As primeiras placas devem ser instaladas já no próximo ano, após a regulamentação da lei pela Prefeitura. Um grupo de trabalho, formado por especialistas e organizações reconhecidas, será constituído para auxiliar na escolha dos locais e na implementação das placas. Uma das referências para a lista pode ser o livro “Lugares de Memória e Resistência no Estado do Rio de Janeiro”, publicado pela PUC-Rio em 2018, que mapeou 101 locais significativos relacionados à repressão no estado.
Locais Marcantes e Suas Histórias
Entre os locais que podem receber placas estão o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que funcionou entre 1970 e 1979 e ficou marcado pela tortura do ex-deputado Rubens Paiva. Outros pontos destacados incluem a 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar, o Hospital Central do Exército (HCE), e diversos outros locais que, embora não possam ser sinalizados por questões de segurança, merecem ser lembrados pela sua relevância histórica.
O professor José Maria Gómez, coordenador da publicação que mapeia esses locais, vê a criação das placas como uma vitória. “A identificação dos lugares de memória é fundamental para a educação da cidadania e a preservação da história”, afirma.
Repercussão da Lei e Compromisso com a Memória
Para Léo Alves Vieira, músico e neto de um desaparecido político, a lei representa um passo significativo na luta pela memória histórica do país. “Placas que reconhecem centros de tortura têm um impacto simbólico muito forte. Essa é uma responsabilidade da sociedade, e não apenas das famílias das vítimas”, ressalta.
Felipe Nin, arquiteto e membro do Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, também celebra a iniciativa. “Essa legislação é um desdobramento importante do trabalho da Comissão da Verdade e um reforço vital à luta pela democracia.”
Embora a cidade já tenha uma legislação anterior que criou o Circuito Histórico da Luta pela Democracia, aprovado em 2022, Nin observa que a implementação ainda não avançou. “Precisamos ver ação nesse sentido, especialmente em um momento em que estamos discutindo o legado da ditadura e reafirmando a democracia.”
Cecília Coimbra, vice-presidente do Tortura Nunca Mais, destaca a necessidade de uma legislação federal que reforce a memória em nível nacional. “Essa é uma medida importante que deveria ter sido adotada há tempos. Esperamos que iniciativas como essa inspirem uma mudança mais abrangente em todo o Brasil.”

